O Iluminado ou "A Pousada" de Guy Maupassant?



Seria o livro O Iluminado uma inspiração do Cinq Contes(O albergue/Pousada) de Guy Maupassant?

 “Mais tarde, assim que as trevas desceram sobre a montanha, novos terrores o assaltaram. Começou a andar pela cozinha escura, mal-iluminada pela chama da vela, andava de um para o outro lado, com passos largos, atento, desejoso de certificar-se se o grito apavorante da noite anterior não tornaria a romper o silencio morno lá de fora. E o desgraçado sentia-se só como nenhum outro homem jamais estivera! Estava sozinho naquele imenso deserto de neve, sozinho a dois mil metros acima da terra habitada, acima das moradas humanas, acima da vida que se agitava, rumorejava e palpitava, sozinho no céu gelado! Atenazava-o uma vontade louca de fugir para qualquer outro lugar, fosse qual fosse, de atirar-se ao abismo para chegar a Loeche; mas nem sequer ousava abrir a porta, na certeza de que o outro, o morto, lhe interceptaria o passo a fim de também não ficar sozinho naquelas alturas.”
  
O tratamento que Kubrick deu ao filme te agradou? Crítica 'especializada' reclamou da extinção de sustos, arrepios e fidelização ao livro. King é "o rei do terror", já Kubrick resolveu fazer um filme que não fosse uma reprodução filmada do romance.Pauline Kael da revista The New Yorker, por exemplo, censurava alguns 'excessos' técnicos de Kubrick como distração para o que deveria ser uma honesta e amedrontadora história de terror. Ela também ia diretamente ao ponto quando investia contra a mania metafísica do diretor, que colocava Jack Torrance (Jack Nicholson) como o zelador eterno do hotel Overlook, o que é parte de um diálogo de um garçom-fantasma com Jack.
Kael faz a dedução perfeita: se o mal é eterno, o osso projetado no ar, de 2001, seria a 'forma primitiva' do machado de Jack em O iluminado
Jack e seus roncos furiosos/animalescos na perseguição dos animais recortados nos arbustos do jardim, seria a transformação dele mesmo em macaco?  Maybe!!

Fãs de Kubrick gostaram já os fãs de King 'detestaram'. Eu adoro os dois portanto AMEI.
No livro, entende-se que o hotel, uma entidade do Mal, queria se apoderar da capacidade paranormal de Danny, o iluminado da história.
Jack começa sua perseguição pelo próprio filho, para que Danny fique, incorporado as paredes do hotel cessando ali o seu dom de ser Iluminado. King detestava, especialmente, a atuação de Jack Nicholson, rs. Achava que ele já começava o filme todo trabalhado na insanidade. King queria surpreender o espectador e começar de leve. Mas, esse sorriso de Jack, logo de cara, entrega  o ouro,rs.Isso é tratado de raspão no filme. Jack, no livro, é um alcoólatra que está se recuperando. 
O hotel aproveita para dominar sua mente. 
No filme não se fala disso, o que faz a frase de Jack ― "Daria qualquer coisa por um drinque" ― uma espécie de oferenda de sua alma para o Mal, sem efeito para quem não conheça o livro.
Do que se tem medo em O iluminado
A loucura de Jack poderia ser sinônimo de esquizofrenia?
 O simples e inofensivo ato de imaginar-se na pele de Torrance é intimidador? Não acho. 
Talvez a ficção, mais especificamente o cinema, seja o único modo de enfrentarmos de CARA LIMPA algo que nos é implícito: a violência. Mesmo que contra as pessoas que mais amamos. E nenhuma outra obra representaria com tanta autoridade o saciar deste desejo primário.
Temos um exemplo disso em uma das cenas, quando Jack exprime seus urros animalescos.
Essa 'primatização/animalização' pode ser encarada de diversas formas. Desde a consideração do homem que é animalizado por realizar atos não humanos até àqueles que são tratados pela sociedade como animais, passando pela animalização na forma de fábulas ou das histórias em quadrinhos. Um outro aspecto que vale a pena considerar é o de abordar os animais com os critérios humanos; projetar atitudes e sentimentos humanos no animal. Quando o homem livremente se animaliza pelos seus atos é possível considerá-lo como um doente para si e para a sociedade(caso do nosso Jack) se pensarmos bem, nossos extintos/sentidos outrora podados, criaram uma espécie em eterna hibernação, um tanto  robotizados em stand by aguardando o momento da eclosão; o que muitas vezes pode resultar em atos animalescos e viscerais e criminosos. 

No sentido biológico, o homem não é o ser mais valioso da natureza. Se tomamos como critério a forma biológica, a independência do existir, o homem resulta inferior às plantas e aos outros animais. As plantas ocupam o cume da independência dos seres vivos. A nutrição dos animais depende dos organismos vegetais. E dentro do reino animal o homem é o menos independente de todos. Se o valor vital fosse a única medida de valor, seria preciso reconhecer que o homem seria um animal doente.Sua fraqueza é evidente: seu sentido do olfato é dos mais imperfeitos, sua proteção natural contra o frio é praticamente nula, etc. O homem ao nascer, é a espécie animal doméstica, que carece de muitos cuidados, e por períodos prolongados, quando comparado com os demais mamíferos. Stanley Kubrick e King nossos heróis entregam uma válvula, um passaporte para 'aquele' mundo onde podemos liberar raiva e fúria acumuladas sem maiores problemas. Onde se ensaia o sentido mais bruto de “liberdade”, cortado ao meio pelo final feliz mais triste de todos os tempos.

Jack Torrance meio a frustrações e incapacidade de levar seu projeto adiante. Exibe um festival de ações/sentimentos para o deleite de qualquer psiquiatra forense.
O diretor faz de Jack Torrance um resumo do seu próprio estilo. Um círculo fechado, um pesadelo, um labirinto infinito pelo qual, em toda obra com a insígnia do Stanley, somos convidados a passear, a nos perder e a enlouquecer tentando nos encontrar. Fotografia é muito bonita, como na cena do bar. Trilha sonora me agrade muito. Jack Nicholson em seu estilo "Estranho no Ninho" , sou fã, rs.
De qualquer forma um dos mais geniais desajustes esquizofrênicos do cinema.



3 comentários:

  1. Excelente abordagem Patrícia! Eu já li uns 5 livros do King, mas ainda não "O Iluminado", por isso não m arriscaria a tecer qualquer comparação entre as obras, coisa que você fez de forma esplendorosa, o que posso dizer é que o filme é um dos melhores que eu já do gênero. Gostei da decisão de Kubrick de focar um terror que tem como principal fator a natureza humana do que os sustos meramente causados pelas manifestações metafísicas do hotel...

    http://sublimeirrealidade.blogspot.com.br/2012/06/pulp-fiction-tempo-de-violencia.html

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    1. Brunãooooo,

      adorei que tu leu por aqui!
      Sou muito fã do Nicholson(sei que ele não tem muitas facetas teatrais) Mas, adoro desde Estranho no Ninho.
      Sou apaixonada por King e meu livro de cabeceira é The Shinning.
      Este é meu filme PREFERIDO portanto foi dificil teclar sobre ele...Mas, acho que saiu bacana ne?
      BEIJOS E VOLTA SEMPRE TÁ?!

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  2. Kubrick e King tem seus detratores, mas acho que é uma perda de tempo esses fãs fazerem tais críticas já que adaptação é transformar uma obra e "transportá-la", por assim dizer, de uma mídia para outra. O livro é incrível e o filme atinge o espectador profundamente, até os que o repudiam. Eu já não gosto muito da versão para TV. Filmes que procuram ser fiéis demais a obra alheia acabam entediando. Não há surpresas, neste caso prefiro a prosa.

    Nicholson é a melhor personificação da loucura da mesma forma que o psicopata de Anthony Perkins em "Psicose" era perfeito.

    Beijos Pati!

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"O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho." (Orson Welles)

 

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